31.8.07

The Gersch (The Gersch)

Desde tempos imemoriais que a música vem assumindo um lugar relevante na sociedade humana. Já nas sociedades tribais, se dançava para os deuses, se invocavam os poderes do céu para trazer boas colheitas. Na Idade Média, o Deus dos cristãos era venerado através do canto gregoriano. No barroco, Bach compunha as suas cantatas e deliciava quem o ouvia. Toda a história da música clássica é uma história de beleza, arte e constante inovação.

Depois, com o passar dos anos, vieram os blues, o jazz, a música contemporânea, a country, o rock. E o mundo nunca mais foi o mesmo. A música tornou-se um negócio rentável, que rende milhões. E a partir daí, experimentaram-se vários estilos, desde aproximações ao jazz feita pelo rock, etc, etc.

E, mesmo no chamado heavy metal, existem muitas inovações, apesar de muita gente considerar o heavy metal um género menor. Eu, pessoalmente, considero que essa opinião se deve à suposição comum de que o género se limita a apostar numa postura agressiva, com pouca musicalidade, e primária. E isto apesar de muitos dos melhores guitarristas da actualidade serem deste quadrante musical. Em parte, esta suposição é verdadeira. Quem for a qualquer bar metaleiro que se preze, encontra garrafas pelo chão, palavrões, algumas discussões filosóficas sobre a existência, literatura, filosofia, etc. E isto enquanto dançam ao som de Iron Maiden, Sepultura, os clássicos Led Zeppelin, Black Sabbath e o último dos Opeth. No entanto, poucos conhecem, mesmo dentro das tribos que se aglomeram dentro do metal, que existem bandas que vão para além de, que inovam, que dizem não e se rebelam contra o que consideram ser o cânone musical. No início da década de 90, houve o fenómeno do death metal e do black metal, movimento pouco comercial, mas que, na minha opinião, se perdeu porque apostou em barulho em vez de musicalidade. Claro que havia mestres dentro do género. A primeira formação dos Napalm Death era composta de músicos geniais que só faziam barulho (dentro dos Napalm, claro está). Muitos dos membros dessa primeira formação apostaram depois em projectos de música electrónica, abraçaram o free jazz, o ambient, etc. Enfim, inovaram. No entanto, nos últimos anos, tenho assistido a um verdadeiro festival de sons alternativos dentro do metal. Desde os mais experimentalistas vindos do movimento drone, como os Sun OO) e Earth, passando pelo sludge melódico dos Isis e viajando até ao Japão para assistir ao verdadeiro caos musical dos Boris, que tocam desde metal, drone, música psicadélica e rock experimental.

O disco que ouvi ontem é feito por músicos que gostam de inovar e que não gostam de se rever nos cânones. Tudo o que é feito de acordo com o cânone pode ser bom, mas cansa. Passado pouco tempo, são paus mandados das editoras e dos gostos das massas. Quem inova, é íntegro mesmo que a inovação não passe de uma constante reinvenção do ser interior. Porque, na minha opinião, a originalidade não é criar diferente, mas sim sermos iguais a nós próprios e aos nossos próprios ideiais, sendo livres de fazer o que bem nos apetecermos.

O disco em questão é de um projecto chamado The Gersch. Dois dos seus membros são criadores assumidos: B. Clifford Meyer, membro da banda de post-hardcore Isis, uma das minhas bandas favoritas dos últimos tempos, e Jonathan Ruhe, membro da banda de rock independente Ho-Ag. A música dos Gersch aposta numa sonoridade hardcore com fortes influências dos Melvins, Sleep, Black Sabbath, Kyuss, Sonic Youth, Black Flag e Pink Floyd. Ou seja, um emaranhado de sons que faz deste projecto mais uma interessantíssima aventura musical de B. Clifford Meyer.



(imagem retirada do myspace da banda)

O site deles no myspace aqui

Jorge Vicente

28.8.07

Gunther Schuller (Of Reminiscences and Reflections)



(imagem de Gunther Schuller, retirado de www.flickr.com)

O grande problema da música contemporânea é (sempre foi) a sua tendência em quase sempre apostar na atonalidade, em detrimento de um registo mais tonal, como se fazia na "tradicional" música clássica. Claro que existem excepções à regra como Michael Nyman, Wim Mertens, Arvo Part, Phillip Glass ou John Tavener, que apostam em registos mais belos, embora menos experimentais. Contudo, mesmo dentro da atonalidade, há obras ímpares (os já velhinhos Schomberg, Alban Berg, o registo de Gyorgy Ligeti que Stanley Kubrik aproveitou para 2001: Odisseia no Espaço, etc).

Com esta obra de Gunter Schuller que eu ouvi, Reminiscences and Reflections, de 1994, tal não se passa. Apesar de interessante e emocional, não me cativa como o velho Bach ou mesmo como John Tavener me cativa. Precisamos voltar às origens. Ou talvez, já voltámos, mesmo que não nos tenhamos apercebido. De facto, a música clássica tradicional não morreu. Reside agora nas bandas sonoras, nas composições de John Williams, Howard Shore, Clint Mansell, etc.



Para ouvirem um pouco de Gunther Schuller um pouco, numa obra mais interessante aqui

uma pequena biografia aqui

Jorge Vicente

27.8.07

In Nomine



(fotografia de Anna Visini)

11.

a brisa é apenas a brisa
e o vento o corpo todo

não te prometo mais do que um pouco de esperma jogado ao acaso, naquelas ruas silenciosas onde tudo o mais dorme, recordando que os sinos tocam no sentido visceral da pedra

o homem inventa a humanidade quando pensa
que a pedra se inventa na casa e a casa na
pele dourada de um anjo

tudo o mais são sensações e o prazer
imenso de estar vivo, mesmo que o
amor adormeça no caule

de uma folha branca.

Jorge Vicente

25.8.07

Albion Band (Battle of the Field)



(imagem da Albion Country Band, una das faces da Albion Band)

Depois do Festival Al-Buhera, e enquanto não aparece um poema, sabe bem recordar a Albion Band, uma das mais importantes bandas do folk-rock britânico dos anos 70. Deixo-vos uma pequena amostra do som da velha Albion aqui, embora em 1983 a banda pareça um pouco datada. No entanto, em 1973, quando gravaram Battle of the Field (entretanto, só lançado 3 anos mais tarde), a banda estava no seu auge musical. Um grande album.

Jorge Vicente

23.8.07

Festival Al-Buhera

No passado fim-de-semana (dias 18 e 19 de Agosto), assisti a um grande festival em Albufeira: o Festival Al-Buhera. Tal como o nome indica, este é um festival inter-cultural, um autêntico painel de culturas, um encontro, um melting pot das tradições africanas, brasileiras e europeias. De facto, Al-Buhera é o nome originário da cidade de Albufeira, numa altura em que os árabes dominavam os territórios a sul do Tejo.

Cheguei às 20.30, hora em que o festival começava, e comecei logo a ouvir batuques. Na rua principal de Albufeira que vai desembocar no Largo do centro, o Ballet Nacional Kora, do Senegal, dançava e dançava e incentivava o público a participar da dança. O público mostrava-se um pouco tímido, apesar de alguns darem uns passinhos. O Ballet Nacional dançou um pouco por todo o centro de Albufeira, connosco atrás e sob o olhar atento e feliz dos turistas. Quando chegaram ao local do festival, acabaram o espectáculo e começou o festival propriamente dito. Quem actuou primeiro foi a cantora brasileira Cristiane Sollari. Na minha opinião, foi uma grande desilusão. No princípio, ainda esperava alguma coisa de interessante pois via marimbas, djambés e outros instrumentos tradicionais. Mas, quando Cristiane Sollari começou a cantar, verifiquei que não se tratava mais do que uma espécie de Banda Eva meets forró e achê. Ou seja, música demasiado massificada para eu gostar. No entanto, a cantora tinha uma energia fantástica. Mas, só isso. O site de Cristiane Sollari aqui.



(foto retirada de http://www.coliseudoporto.pt)

A banda seguinte foi muito mais interessante: o grupo de Itália Spakka Napoli. O concerto foi muito interessante, a voz da cantora Monica Pinto é fantástica e eles desenvolveram uma mistura muito bem conseguida entre modernidade e tradicionalismo. O ponto alto da actuação foi quando Monica Pinto cantou uma canção tradicional napolitana. Muito bom, apesar de ter como rivais as bandas do segundo dia, que irei falar a seguir. Spakka Napoli aqui.



(imagem retirada de: http://www.elenabermudez.com/pagina/spaccaes.htm)

O segundo dia do Festival Al-Buhera foi qualquer coisa de genial. A noite começou com a actuação do Grupo de Gaitas da CEA, de Ourense, pelas ruas de Albufeira. É sempre tão bom ouvir os sons da Galiza e da música céltica, uma das minhas músicas favoritas. É como se voltasse ao tempo das cantigas d'amigo ou se viajasse um pouco, subindo as escarpas das montanhas da Galiza ou dobrando os joelhos perante os olhos de Sant'Iago. Maravilhoso. O site deles aqui



(Banda de Gaitas da CEA, retirada do site: http://www.bandadegaitasdecea.com)

Já no palco, a Banda Alhada começou a tocar. É uma banda de Albufeira e toca músicas do nosso cancioneiro. Na sua actuação, também viajei um pouco: assisti ao raiar da bela aurora no belo Alentejo, subi às Beiras e dancei um pouco, parti para a Madeira. Viajei até ao Algarve, voltei para o Alentejo para trabalhar um pouco na monda. Foi um concerto absolutamente espectacular. A Banda aqui.



(imagem retirada de: http://abandaalhada.pt.vu)

A seguir, Eneida Marta, da Guiné, ofereceu um cheirinho de África. A morna, o gumbe, a singa, mas também o Gospel, o Jazz, o Flamenco num concerto magnífico. Estava constantemente a pedir aos homens para dançarem, mas só as mulheres davam o passinho. Excepto eu, que era dos poucos homens que dançavam.Fantástico. O site de Eneida Marta aqui



(imagem do disco Considju, de Eneida Marta. Fonte: Griotsound, S.L, artista Eneida Marta. O site onde retirei a foto é: www.griotsound.com/webeneida

No final, a Brigada Víctor Jara. Um maravilhoso concerto. A voz magnífica de Catarina Moura deu o mote e cantou Portugal como ninguém, conjuntamente com os restantes músicos da Brigada, que estão a festejar 32 anos de existência. De facto, a Brigada é um dos melhores grupos portugueses e é uma das bandas que mais soube interpretar e reinterpretar a nossa tradição musical. Cantigas do Alentejo, do Minho ("Cana Verde"), Escócia, das Beiras, do Algarve, de Zeca Afonso, da Aldeia do Rio de Onor, etc, foram apenas algumas das amostras. Estou grato, profundamente grato, pela Brigada existir. Não são só os poetas que têm a obrigação de preservar a tradição portuguesa, mas também os músicos, os compositores, os cineastas, os autoresem geral. Para mantermos o espírito da nossa gente e do nosso povo, que é o maior povo do mundo. O site da Brigada aqui



(foto da Brigada, da autoria de Xico Aragão e retirada do site: http://www.brigadavictorjara.pt/fotos.html)

Jorge Vicente

20.8.07

The Tingler (William Castle)



(imagem do trailer de The Tingler, de William Castle)

Confesso: nunca vi nenhum filme de William Castle, para além deste The Tingler (1959), o filme que vi ontem em DVD. O que é de estranhar, já que William Castle é um dos nomes incortonáveis do cinema de terror dos Estados Unidos. Filmes como House on Haunted Hill(1959), 13 Ghosts (1960), Mr. Sardonicus (1961), Homicidal (1961), Strait-Jacket (1964), I Saw What You Did (1965), Rosemary's Baby (como produtor, 1968) e alguns outros são apenas alguns dos exemplos.

Os seus filmes eram de baixo orçamento, apesar de serem ambiciosamente promovidos. Um dos exemplos mais divertidos foi o filme The Tingler. Quando o filme estreou, foi colocada uma caixa gigantesca à porta do cinema, dentro da qual estaria um pequeno verme desejoso de sangue e morte. As pessoas iam em magotes só para ver a caixa. Para além disso, também o próprio filme gozava um pouco com a audiência. No início do filme, William Castle aparece a avisar a audiência que irão sentir arrepios, calafrios, pequenos espasmos de medo e que a única solução seria gritarem. Se não gritarem, The Tingler poderia matá-los. De facto, uma das premissas do filme seria que existe um pequeno verme dentro de nós, verme esse que está dentro da nossa coluna e que despoleta o efeito calafrio (tingler effect) quando sentimos medo. A única maneira que temos para nos libertar do organismo estranho seria gritarmos. Nesse filme, o médico Warren Chapin, interpretado pelo grande actor Vincent Price, está a investigar esse efeito e pensa que deverá mesmo existir um organismo vivo que possa despoletar esse efeito dentro de nós. Consegue, mais tarde, isolar o pequeno animal quando uma das suas pacientes morre. Porém, o bicho escapa-se e provoca o terror.



(imagem do filme)

Em suma, um filme interessante numa época em que os filmes de terror não se preocupavam tanto em agradar a gregos e troianos, em que o prazer do cinema e da experimentação era mais forte do que o apelo das massas. Porém, William Castle concerteza que não será o exemplo mais perfeito desse tipo de realizador já que The Tingler tem um brilho comercial em todos os seus poros. Mas é interessante, divertido e ajuda a passar bem a noite. Para quem quiser a experimentação e o apoio a jovens promessas, recomendaria Roger Corman. Bu!

Jorge Vicente

19.8.07

The Set-Up (de Robert Wise)



(imagem de The Set-Up)

Robert Wise é mundialmente conhecido pela realização de obras tão díspares como Música no Coração, West Side Story ou O Caminho das Estrelas. No entanto, para quem estiver atento, terá reparado que Wise não é apenas um fazedor de êxitos instantâneos. Muitos dos seus filmes revelam uma carga psicológica muito forte, como podemos atestar em The Set-Up, de 1949.

Neste filme, Robert Ryan desempenha o papel de Bill 'Stoker' Thompson, um pugilista de 35 anos e que se encontra na curva descendente da sua carreira. A única hipótese de ganhar alguma dignidade (a única dignidade que lhe resta) será derrotar o aspirante a estrela, 'Tiger' Nelson, interpretado por Hal Baylor. No entanto, não sabe que o combate foi viciado. O seu treinador combinou o combate com um apostador de combates local, que pensava que 'Stoker' não teria quaisquer probabilidades em ganhar o combate.



(outra imagem do filme)

O filme é excelente, pleno de humanidade. Robert Ryan é brilhante no seu papel de 'Stoker' Thompson, sabendo este que está acabado, mas mantendo a esperança de que a situação possa melhorar. Afinal de contas, que mal tem ganhar um pouco de dinheiro, o suficiente para comprar aquela casa junto ao mar, em vez de um casebre em Paradise City? É ironico reparar que, no filme, o local onde os pugilistas vão combater se chama Paradise City... Os Estados Unidos, a terra das oportunidades.



(outra imagem)

Também é de realçar o excelente papel de Audrey Totter, que desempenha o papel de esposa de 'Stoker' Thompson. Ela é o anjo da família, a mulher que o apoia incondicionalmente, apesar de não querer que ele combata. E, apesar de não ir aos combates apoiá-lo. Outos personagens são, também, memoráveis: o pugilista com problemas físicos que teima em combater; o novato que finge ser forte, mas está com medo; o pugilista senhor de si, que pensa positivo e que vence sempre. Enfim, toda uma galeria de seres humanos com os seus problemas, a sua maneira de ver o mundo, de carne e osso, o que não acontece na maior parte dos filmes.

Muitas das cenas ficam na nossa pele. Uma que me marcou profundamente foi a cena do desespero da esposa de 'Stoker' Thompson que percorria, perdida, as luzes da cidade. O constante jogo de luzes entre o néon e o escuro foi brilhante, especialmente quando ela rasga o bilhete no alto da ponte. Para além dessa cena, a fantástica cena do combate entre 'Stoker' e 'Tiger' Nelson, bela na sua rudeza; a cena final e o abraço desencantado e triste de 'Stoker' à esposa.



(outra imagem)


Foram talvez estas as razões que levaram Martin Scorsese a considerar The Set-Up como uma das maiores influências para O Touro Enraivecido, um dos principais filmes de Scorsese. Aliás, para quem comprar o DVD, há de notar que Scorsese aparece no comentário ao filme. Enfim, um clássico.

The Set-Up no youtube aqui

Jorge Vicente

17.8.07

O Caminho e a noite algarvia



(fotografia de Willem Wernsen, retirada de http://www.fotowillem.com/outdoor/index.php)

"Que te desvies para a direita, que te desvies para a esquerda, teus ouvidos ouvirão atrás de ti uma palavra, dizendo: Este é o caminho, anda por ele" (1)

(1) Isaías 30:20-21 apud BRENNAN, Barbara Ann - Mãos de luz: um guia para a cura através do campo de energias humana. São Paulo: Pensamento, [1997]. ISBN 85-315-0413-9. pg. 187.





(fotografia de Dimitri From Paris, retirado de http://www.myspace.com/djdimitrifromparis



Ontem, o meu caminho levou-me para as noites algarvias, saudando a manhã ao som de Dimitri Yerasimos, o mundialmente famoso DJ francês, mais conhecido como Dimitri From Paris. A sua música house é uma mescla de deep house, disco, jazz, música lounge dos anos 50 e 60. A actuação foi muito interessante e o sol nasceu lá longe, quando a música ainda corria na praia.

Hoje, o meu caminho é esperar o próximo poema. E nascer de novo, saudando a noite. Mas, o nascimento far-se-à pela leitura das estrelas e pela leitura de um silêncio apenas simples.

Jorge Vicente

Dimitri no youtube aqui

15.8.07

In Nomine



(fotografia de Huib Limberg)

10.

atropa belladonna

tudo começou com a árvore. a minha estadia na casa. o silêncio do quarto da avó e a promessa de que lhe visitaria um dia destes. ela tem um pacto com o pó, vive rodeada de papéis velhos, daqueles que apenas nos lembramos quando surge um poema ou um recado escrito na vastidão da madrugada.

a árvore fica na parte de fora da casa. é velha, mais velha que os quadros e as fotografias que dominam todo o espaço. imagens de velhos antepassados, que mataram ou foram mortos. a jovem aristocrata que não sabia rezar as novenas e que implorava ao demo poder amar todos os homens. o jovem mestre que rasgava o corpo e que escrevia cartas de amor à divindade. a árvore, sempre a árvore, que era uma representação da riqueza e do poder. onde antes houvera um país.

na casa, não faltava nada. o brilho dos olhos da avó que eram os ramos e as raízes do meu mundo à deriva. e que não se salvaria se a árvore permanecesse como um troféu, a escrita sempre inconstante da memória.

nada permance no olhar do discípulo. apenas a madeira tingida a negro.

atropa belladonna

Jorge Vicente

14.8.07

Vishwa Mohan Bhatt/Jerry Douglas (Bourbon & Rosewater)



(fotografia de Marco Barsanti)

"No wine glasses here, but wine is handed round.
No smoke, but burning.
Listen to the unstruck sounds.
and what sifts through that music". (1)

Jelaluddin Rumi (1207-1273)

(1) RUMI, Jelaluddin retirado do disco Bourbon & Rosewater, da autoria de Vishwa Mohan Bhatt e Jerry Douglas.




Mais uma vez, Vishwa Mohan Bhatt fez uma obra-prima. Depois de ter ouvido o álbum Saltanah, há algumas semanas, ouvi este Bourbon & Rosewater, que ele fez com Jerry Douglas. Mais uma vez, uma edição da Water Lily Acoustics, uma editora especializada em world music e que costuma apostar em juntar tradições diferentes. Desta vez, a tradição da country e do bluegrass juntam esforços com a tradição indiana para nos oferecer um pouco desta música maravilhosa, imorredoira, eterna e tremendamente espiritual. Porque o som é sempre espiritual e os velhos mestres são sempre os mestres do som e do silêncio.

Jorge Vicente

Vishwa Mohan Bhatt aqui
Jerry Douglas aqui

13.8.07

Sun Dial (Return Journey)




(fotografia de um concerto dos Sun Dial, retirada do site: http://www.myspace.com/sundial001

Os Sun Dial são uma banda inglesa formada em 1990 por Gary Ramon. O seu som era altamente devedor do rock psicadélico dos anos 60 assim como de algum rock progressivo, space rock, stoner rock e géneros afins. Apesar de nunca terem sido uma banda popular, foram muitas vezes comparados a bandas como os Nirvana, Monster Magnet, Spiritualized e Spaceman 3.

Em termos de influências, podem-se salientar também os Pink Floyd, os Beatles, Jimi Hendrix, Led Zepellin e bandas mais recentes como os Stone Roses e os Inspiral Carpets. Na minha opinião, eles são geniais e merecem muito mais do que ser uma nota de rodapé na História da Música.

(informação retirada da Wikipedia)




O álbum que eu ouvi foi Return Journey, editado originalmente pela Acme Records em 1994. A reedição que eu ouvi foi a da Relapse, em 2006.



Jorge Vicente

O site dos Sun Dial aqui
Myspace aqui
Outro myspace, como Gary Ramon, aqui

11.8.07

In Nomine




(fotografia de Marco Barsanti)

9.

dizem: as perseguições foram há muito tempo, quando ainda havia paredes dentro da casa e as relíquias dos mártires eram inatingíveis, como um signo de amor que ainda não revelasse a sua face oculta

e são tantas,
tantas que as lágrimas apenas derramam o que resta do meu sangue. e pareço quieto. e pareço firme quando sei que a chama me fará explodir e que o meu corpo já não é a alma toda

dizem: é assim toda a cristandade. a alma não transporta o corpo nem o resume. é uma entidade separada. de fora, o coração, o olho esquerdo e o olho direito, a lágrima, a língua que inventa canções quando o sangue vibra na chama

não, não é o corpo todo. o corpo não renuncia ao amor nem à dádiva de ser tudo perfeito, como se eu fosse uma concha que vivesse mil anos e fosse apenas isso. um lento entrar e sair, assumindo a morte e uma gratidão sem limites

saberia que dormiria a seguir e que atravessava um oceano infindo, num mar que não é meu, mas que pertence a todos os homens.

Jorge Vicente

9.8.07

Vicente Amigo e outros assuntos



(fotografia de Vicente Amigo)

A minha primeira ideia para este post seria escrever algo sobre um artigo que eu li, muito interessante, sobre a experiência de uma professora estagiária numa escola situada numa zona de risco. O projecto em que ela participou foi desenvolvido numa cidade norte-americana, mais propriamente Knoxville, e revela-nos todas as aspirações, frustrações, sonhos e dificuldades suportadas por uma jovem estagiária numa escola do ensino básico, mas com crianças consideradas "difíceis".

Contudo, a tecnicidade do artigo e o salero das férias impediram-me de fazer um post mais desenvolvido sobre o tema. Para colmatar essa lacuna, decidi viajar um pouco, dois quilómetros apenas, e assistir ao concerto que Vicente Amigo deu na Praça dos Pescadores, em Albufeira. Foi uma espécie diferente de ensino, mais sadia e cultural. O concerto foi muito bom, a guitarra flamenca de Amigo é imensamente mágica e terna. O som das suas cordas iluminou a praça, assim como o mar, que se desenhava atrás das cadeiras e defronte do palco, como uma concha.

E ainda deu para encontrar um velho conhecido dos serões de Meditação em Sintra, o escritor e empresário Carlos Canto Moniz. Ele é autor de dois livros: Azul, editado pela Oficina do Livro em 2003, e Mil, editado pela Palavra em 2007.

Jorge Vicente

sobre Vicente amigo, aqui
sobre Carlos Canto Moniz, aqui um pouco
sobre o artigo, aqui

8.8.07

Cabo do Mundo (Luar na Lubre)




Quando os nossos devanceiros chegavam do mar, traziam pequenos vasilhames de prata e rendas e bordados e pequenas letras escritas com o alfabeto das areias. Chegavam e agarravam-se à arraia miúda, cantando as loas e os pequenos romances que se vendiam um pouco por toda a Galiza. Eram pescadores, comerciantes, jograis que se digladiavam nas cortes das igrejas, nas romarias, nas ermidas que se erguiam por detrás da aldeia. eram guerreiros, eram sangue e eram saudade do amigo que tardava e que não voltaria mais, perdido que era na terra da moirama e sob o olhar infame, mas apaixonado, da bela cidade de silves.

e eram assim os dois pólos da civilização, a terra do nosso encantamento, onde a luta da nacionalidade começou e onde acabaria, séculos mais tarde.

e são esses os devanceiros, que o grupo Luar na Lubre rememora na melhor canção do álbum Cabo do Mundo, de 1999. Para todos ouvirem e sentirem.

Jorge Vicente

P.S. Devanceiro é antepassado em Galego antigo, penso.

Luar Na Lubre - "Devanceiros" (letra e música de Bieito Romero)

"Terra dos meus avós
onde naceron meus pais
terra dos meus avós
Galicia do verde chan.
Terra dos meus avós
onde naceron meus pais
terra dos meus avós
non quero de aquí marchar.

(retirado de"http://www.seeklyrics.com/lyrics/Luar-Na-Lubre/Devanceiros.html)

No Youtube, uma das melhores canções dos Luar na Lubre, Chove en Santiago

Também no Youtube, uma canção do Rei Alfonso, El Sábio pelo grupo Luar na Lubre, aqui

6.8.07

José Fanha (Diário Inventado de um Menino Já Crescido)



(José Fanha, retirado de de http://catedral.weblog.com.pt/arquivo/145140.html)

José Fanha é uma pessoa fantástica. E um escritor fantástico, também. Um menino grande que encanta e dá lições de vida a todos quantos se aventuram a lê-lo. Eu acabei de lê-lo e aventurei-me nesse mundo encantado da infância, esse mundo que muitos adultos teimam em manter encerrado, perdido, fechado a sete chaves. Sem soltá-lo e deixá-lo à rédea solta, esquecendo que, um dia, houve uma avó e um pai e uma lareira na noite de Natal e presentes e todo o mundo encantado que todos nós pensamos ser nosso.

Nada do que é nosso nos pertence verdadeiramente. Pertence, antes, à humanidade e ao nosso passado colectivo do qual guardamos lembranças e sorrisos constantes. Amamos esse passado. E esse presente. E esse futuro. Toda essa história está presente no livro de José Fanha que eu li, Diário Inventado de um Menino Já Crescido. É um livro para a infância e para a criança que todos nós já vivemos. No Diário, encontro essa parte da História do nosso país que muitos de nós vivemos: o perido salazarista. O encontro com o Director da Escola, moralista e que nos enferniza a vida com os pecados que cometemos, a grande importância de todos os nossos antepassados (o pai, a avó, os nossos amigos que já partiram), as questões em relação ao futuro. É pena que muita da Literatura actual tenha perdido essa dimensão humana que a obra de Fanha nos apresenta.

Aqueles que nos precederam agradecem.

"Eu gostava de acordar cada dia e ter a minha mãe ao meu lado. E o meu pai. E a minha avó. E todas as pessoas de quem gosto. Mais alguns já se foram embora. Para sempre. E isso deixa-me confuso. Porque para sempre é mesmo muito tempo.
Eu consigo perceber o que é uma hora. Percebo dez minutos. Percebo dez segundos que é uma medida de tempo que uma pessoa começa a dizer e já passou. E percebo um dia ou uma semana. Mas para sempre é tão difícil perceber...
Um dia, o meu pai foi-se embora para sempre. E eu esqueci-me de lhe dizer uma coisa. Nem sei bem que coisa era. Só sei que esta coisa que eu queria dizer ficou-me entalada na garganta. Para sempre." (1)


(1) FANHA, José - Diário inventado de um menino já crescido. Canelas: Gailivro, 2004. ISBN 989-557-147-X. p. 60, 61.

Kambara Music in Native Tongues




A música espera-nos no adro silencioso de uma guitarra. E de uma voz. De várias vozes e instrumentos que se interpenetram, que dialogam entre si e estabelecem um único som. Como se aquele som fosse o mesmo inventado por todos os homens.

O disco Kambara Music in Native Tongues é um desses discos, onde diferentes sensibilidades se tocam e se encontram para criar música superior. Não será talvez o melhor disco do mundo, nem as melhores colaborações. Dentro do catálogo da Waterlily Acoustics, a colaboração de Ry Cooder e V.M.Bhatt é mais bela. Mas, não deixa de ser uma música de grandes espaços. Por um lado, a grande noite americana na voz e guitarra de Martin Simposon. Por outro lado, o sabor mexicano de David Hidalgo, da banda Los Lobos. Por um lado, o violino de Viji Krishnan. Por outro, o mridangam de Puvalur Srinivasan.

Música para sentir e cheirar, com os olhos fechados e com a noite às escuras

Jorge Vicente

Martin Simpson aqui
David Hidalgo/Los Lobos aqui

5.8.07

A Gipsy Carol



(fotografia de Paul Banner, Opera 2, s/d)

"What are you seeking, you seven pretty maids,
all under the Leaves of Life?
We are searching for no leaves, Thomas,
but for a friend of thine" (1)

A gypsy carol


(1) retirado do CD Kambara Music in Native Tongues, de Martin Simpson/David Hidalgo/Viji Krishnan/Puvalur Srinivasan

São João da Cruz



(fotografia de Brian Arnold, #4 Letters, 2005)



"La bianca palomica
al arca con el ramo se ha tornado;
y ya la tortolica
al socio deseado
en las riberas verdes ha hallado" (1)

San Juan de la Cruz (1542-1591)

(1) retirado do CD Kambara Music in Native Tongues, de Martin Simpson/David Hidalgo/Viji Krishnan/Puvalur Srinivasan

Kavichandran Alexander



(fotografia de Patti Ambrogi, "From the series - The Nature of Culture; Freeing Female Representation, Can She Take Her Tail Off", 1992)




"To the body's ark the heavenly dove descends
across the still ocean of Oneness
hearing the flower of spring.
The turtledove at long last the beloved meets
by the verdant river of life"

Kavichandran Alexander´

Kavichandran é músico e produtor da editora Water Lily Acoustics

retirado do CD Kambara Music in Native Tongues, de Martin Simpson/David Hidalgo/Viji Krishnan/Puvalur Srinivasan

4.8.07

David Maranha - Marches of the New World



(David Maranha)

Marches of the New World é o novo trabalho desenvolvido por David Maranha, um dos mais importantes compositores do underground musical português. Ele foi um dos membros fundadores do colectivo Osso Exótico e já trabalhou com imensos músicos de qualidade, entre os quais se podem salientar: Patrícia Machás, Jasmine Guffond, Torben Tilly (todos estes através do projecto Organ Eye), Manuel Mota, André Gonçalves, etc.

Este último trabalho inscreve-se naquilo que se chama drone music, que é um estilo musical onde uma nota musical é repetida até à eternidade, causando, muitas vezes, um efeito claustrofóbico, minimal, por vezes hipnótico, por vezes entediante. No caso de David Maranha, o resultado é francamente positivo, embora não se possa dizer que seja um disco para toda a gente. Li algures que Maranha é influenciado por compositores como Yves Klein, LaMotte Young ou Tony Conrad, mas pouco ou nada sei dizer sobre isso porque não conheço a sua obra. No entanto, uma certeza tenho: o disco é bastante interessante e recomendo a sua audição, especialmente para quem é apreciador de música improvisada ou experimental.

Jorge Vicente

(excerto de concerto do colectivo Osso Exótico)